Em Brasília discute-se orçamento, teto de gastos e eleições, mas a responsabilidade educacional continua esquecida

(*) Waldir Maranhão

Como já destaquei em diversos artigos, mudanças ocorrerão no país a partir de mais investimentos na educação e na melhoria do ensino público. É preciso dar a cada cidadão o mesmo ponto de partida, pois só assim a democracia se faz valer.

Em meio a uma crise econômica piorada pela pandemia, temos visto a baixa qualificação do brasileiro justificando baixos salários, recrudescendo o desemprego e deixando vagas de trabalho em aberto.

Há dias, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, que o acesso à universidade no Brasil deveria ser para poucos. Como sempre acontece quando uma declaração oficial afronta o bom-senso, Ribeiro disse que sua afirmação foi tirada de contexto.

Apesar de Milton Ribeiro ter uma visão conservadora e elitista da educação, a transferência de conhecimento é a mola propulsora de um país que está na fila da prosperidade há algumas décadas.

O prejuízo causado à educação pela pandemia, que suspendeu o ensino presencial e optou pelo modo remoto, é enorme e dificilmente será recuperado nos próximos anos. Isso porque a maioria dos estudantes não tem condições de participar do ensino à distância, seja por fata de estrutura tecnológica, seja por dificuldade de se adaptar a esse novo modelo.

A Unesco, órgão da Organização das Nações Unidas para Educação, avalia que a pandemia impactou os avanços conquistados desde 1990 na desigualdade educacional.

“Reverter o prejuízo, o déficit cognitivo, a catástrofe de aprendizagem [durante a pandemia] é urgente”, destacou Marlova Noleto, representante da Unesco no Brasil, durante seminário virtual que discutiu a importância de uma boa gestão e das redes educacionais na busca por educação de qualidade.

Com o advento da crise sanitária, a maior dos últimos cem anos, o déficit educacional no Brasil foi exposto à opinião pública, que parece não se incomodar com o caos instalado no setor.

Apesar desse movimento que dá as costas ao setor, há no Brasil exemplos notórios de bons resultados na educação. É o caso de Oeiras, município piauiense com 37 mil habitantes e localizado a 280 quilômetros de Teresina.

Oeiras entrou no radar da Unesco por conta das boas práticas de gestão educacional, alfabetização com foco em justiça social, arte na escola e até mesmo formação de pais de alunos. Essa receita fez a rede de ensino local evoluir rapidamente em aprendizagem.

Tal avanço foi constatado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), com o município de Oeiras saltando de 3 pontos, em 2005, para 7,4, em 2019. Isso mostra que investir em educação é primordial.

No cenário de terra arrasada deixado por uma pandemia que ainda não terminou e pode causar novas surpresas, discute-se diariamente no Brasil assuntos relacionados à economia e à responsabilidade fiscal, sem que a educação mereça a esma atenção.

A retomada das aulas presenciais é extremamente necessária, pois a escola aprimora o convívio social e forma cidadãos. Mesmo assim, não houve por parte do governo federal uma só orientação para balizar essa retomada.

Em Brasília, a pauta é o processo eleitoral de 2022. Fala-se muito sobre retomada econômica, assunto que tem considerável peso em disputas eleitorais, mas não se ouve falar em educação, exceto os absurdos que brotam na Esplanada dos Ministérios.

Sem investimentos na educação é impossível falar sobre retomada econômica e crescimento econômico sustentável. Esse movimento demanda não apenas recursos públicos, mas tempo e perseverança.

Na capital dos brasileiros discute-se responsabilidade fiscal a todo instante, mas ninguém ousa falar sobre responsabilidade educacional.

Há exatos quinze anos, o então senador Cristovam Buarque, ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), defendeu a fixação de metas para a educação a serem cumpridas, sob pena de o governante se tornar inelegível.

“Não existe meta para inflação? Temos que ter metas para educação. Não existe a Lei de Responsabilidade Fiscal que torna inelegível quem gasta mais de 60% com o funcionalismo? Temos que ter a Lei de Responsabilidade Educacional”, afirmou Buarque à época, reforçando a necessidade de uma revolução na educação.

“A educação é a porta para o País deixar de ser atrasado por deficiência, desigualdade, a dependência e corrupção”, disse Cristovam.

De acordo com o ex-reitor da UnB, é imperioso estabelecer metas de tempo – e estratégias – para que as crianças cursem todo o ensino fundamental, aprendam a ler e escrever e que a escolas funcionem em tempo integral.

“Em qualquer lugar do Brasil, mesmo nas menores cidades, há uma agência do Banco do Brasil bonitinha, com ar condicionado, funcionários que seguem um mesmo padrão”, observou Buarque, ao exemplificar o desnível das escolas públicas brasileiras: 22 mil delas não têm banheiro, 27 mil não têm energia elétrica e 52% dos alunos de escola pública chegam à quarta série sem saber ler e escrever”, destacou Cristovam Buarque, que como todo defensor da educação pública de qualidade é visto como ponto fora da curva.

Defender investimentos em educação significa defender o futuro da nação. O planeta está cada vez mais tecnológico, o que exige conhecimento e preparo do cidadão para dialogar com essa realidade.

De nada adianta exaltar os seguidos recordes do agronegócio, por exemplo, se o ensino público continua cambaleando. Dentro de alguns poucos anos, os investimentos no Brasil, nacionais ou estrangeiros, dependerão exclusivamente do nível de conhecimento de cada brasileiro, seja rico ou pobre.

Um dos destacados intelectuais do Império Romano, o filósofo estoico Seneca (4 a.C-65 d.C.), disse que “a educação exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida”.

É chegada a hora de parar e pensar na educação. Sem que descanse na minha luta pela educação, deixo o alerta.

(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.

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