Sálvio Dino e a passagem da “coluna prestes” pelo alto sertão maranhense

o advogado, político, jornalista, historiador, membro da Academia Maranhense de Letras, fundador da Cadeira Número dois da Academia Imperatrizense de Letras (AIL) Sálvio Dino, desde a adolescência desenvolveu um acentuado senso crítico diante das verdades prontas da história que a ele chegavam pelos bancos da escola. Principalmente aquelas havidas, ou encerradas no alto sertão maranhense, como também é conhecida a região sul do Maranhão, onde nasceu.

Sálvio Dino, que nos deixou no período agudo da pandemia do coronavírus, levou essa inquietação para a vida adulta, e paralela às suas atividades jurídicas e políticas, com um acurado faro jornalístico e de historiador, foi coletando informações e lançando luzes sobre eventos importantes que tiveram o alto sertão maranhense como palco.
Para não me estender, na coluna de hoje trago a lembrança de dois fatos que conduziram o atilado acadêmico a produzir dois importantes registros para a história da banda sul do Maranhão. Em Parsondas de Carvalho, um novo olhar sobre o sertão, livro publicado em 2007, Sálvio Dino, resgata “a guerra do Leda”, disputa política sangrenta que na virada do século XIX para o XX, sob a batuta do governador Benedito Leite, regou com o sangue de dezenas de inocentes, o chão do Alto Sertão do Maranhão. O ou outro registro, é sobre os aspectos da passagem da “coluna revolucionária prestes” pela região.

A guerra do Leda vai ficar para uma outra oportunidade. Vou me ater levemente hoje ao segundo evento, prestes a completar cem anos, e que rendeu em 2016, portanto uma das últimas obras do autor, o livro A Coluna Revolucionária Prestes a Exilar-se (Passagem pelo sul do Maranhão). O livro é prefaciado pelo tembém membro da Academia Imperatrizense de Letras Agostinho Noleto.

A Coluna Prestes foi um movimento revoltoso organizado por tenentistas (militares) que percorreu o interior do Brasil, entre 1925 e 1927, combatendo as tropas e denunciando o que o grupo considerava desmandos do governo de Artur Bernardes e Washington Luís.

Durante a chamada Primeira República, os revoltosos percorreram mais de 25 mil quilômetros protestando e tentando levantar o povo contra o poder central. Os tenentes, liderados por Luís Carlos Prestes, passaram por esta região. Na sua obra, Sálvio Dino resgata aspectos da passagem tenentista por aqui.
Ao fazer memória da sua meninice, lá pra bandas de Grajaú, onde o pai Nicolau Dino, era juiz de Direito, Salvio Dino, no seu dizer poético registra:
“vivia eu, menino de calças curtas, ouvindo histórias cabeludas sobre a passagem dos chamados revoltosos pelo nosso chão e por outras cidades sertanejas. Minha insatisfeita curiosidade pré-juvenil, levava-me a perguntar á mestra Caetana Costa, bem ali, na ladeira de barro, da cidade alta: professora, é verdade que os homens da Coluna, além de roubar cavalos, gados das fazendas, comiam criancinhas, quando tinham fome e nada encontravam para comer? (DINO, Sálvio, 2016, p.25)
Em a Coluna Revolucionária Prestes a Exilar-se Dino vai fundo nas fontes. Revisita diversos autores maranhenses, ou não, que já escreveram sobre o tema, e ainda esteve em algumas das cidades, como Grajaú, Balsas, Riachão e Carolina; cidade onde os revoltosos foram carinhosamente recebidos, abrigados e alimentados pelas lideranças simpáticas ao movimento. Além disso, pesquisou diversos documentos produzidos por testemunhas daquele fragmento histórico.

Naquele tempo, se a revolta dos tenentes não era considerada uma ameaça, pelo menos já incomodava muito o governo.
Com base na pesquisa do autor é possível perceber que naquela época uma das estratégias do poder dominante já era espalhar notícias falsas para desestabilizar qualquer movimento de cunho político contrário ao governo.
Daí, não se estranhar a pergunta do então infante Sávio Dino a sua professora “se era verdade que os homens da coluna comiam criancinhas”.
Não, não comiam criancinhas! Os tenentes da Coluna Prestes, mesmo que episodicamente nos 25 mil quilômetros de marcha tenham cometido alguns excessos, tinham um ideal.

Sobre os ideais da revolta, Salvio Dino resgata um discurso proferido no dia 19 de novembro de 1925, em Carolina por um dos líderes da coluna, o então coronel Juarez Távora, bem como cópia de um manifesto ao povo maranhense publicado em o Libertador, órgão de comunicação da revolução, naquela ocasião impresso nas oficinas de O Tocantins, jornal semanário carolinense famoso, à época.

O manifesto publicado em Carolina, e resgatado por Salvio Dino, foi assinado pelo general Miguel Costa e pelos coronéis Luiz Carlos Prestes e Juarez Távora, os líderes da coluna.
Veja logo abaixo um trecho do longo documento.
A democracia foi substituída por um conluio reduzido de autocratas- duvidosa elite, surgida de uma seleção rigorosamente negativa. O voto é uma farsa e a soberania das urnas é uma conversão facultativa e vaga á que se sobrepõe, sempre, as conveniências e caprichos dos senhores absolutos
A Justiça nem é cega, nem enxerga bem: possui, para a infelicidade do povo, a visão obliterada dos que olham, ao mesmo tempo para o montão de ouro com que se compram os venais para a espada de Dâmocles que ameaça a cabeça dos independentes.
A administração é um descalabro. Os impostos escorchantes são uma indústria, mas vergonhosa com que se se esgota a economia do povo para enriquecer os políticos sem escrúpulos (DINO, Sálvio, 2016, p.130)

Como é sabido, o movimento fracassou. No final de 1926, com mais de um ano de marcha, as lideranças passaram a discutir seu fim. O governo de Artur Bernardes estava prestes a ser encerrar, e, além do mais, a Coluna havia falhado em criar um projeto político de tomada de poder. A romântica empreitada não conseguiu mobilizar a população como esperado. Resultado?
Em fevereiro de 1927, os membros da Coluna Prestes depuseram as armas e buscaram exílio na Bolívia.
O Espaço é pequeno para uma viagem maior nos apontamentos de Sálvio Dino neste seu importante obra sobre a passagem da coluna prestes pelo Alto Sertão Maranhense. Um episódio com vários desdobramentos políticos para a história do Brasil e a vida de seus protagonistas, como bem deixa dito o escritor.

Depois da aventura da Coluna Prestes, a história mostra que seus principais líderes permaneceram nas lides políticas, mas em campos ideológicos diferentes.
Luís Carlos Prestes saiu da Coluna com o apelido de “Cavaleiro da Esperança” e tornou-se um dos grandes nomes da luta popular brasileira ao longo do século XX. A marcha pelo interior do Brasil ao se deparar com o imenso fosso das desigualdades, segundos os historiadores, o levou a se “converter ao marxismo” em 1930, e assumir-se comunista. Na mesma década, esteve envolvido com uma tentativa de tomada do poder no Brasil e diversas outras lutas. Foi perseguido e preso pelo regime de Vargas. É considerado uma das personalidades políticas mais influentes do País durante o século XX. Morreu, no Rio de Janeiro, em 7 de março de 1990.
O outro líder do movimento, o eloquente Juarez Távora seguiu por outro caminho. Pela sua participação na Coluna Prestes chegou a ser preso, mas acabou sendo libertado, já no governo de Washington Luís. Na sequência da militância política , nas eleições de 1930, foi eleito deputado federal no Ceará, porém não chegou a assumir o mandato em razão da Revolução de 1930  que que dissolveu o Parlamento. Passou um tempo no exílio na Argentina, mas depois voltou. Na Era Vargas, ocupou os ministérios da Agricultura e dos Transportes e depois voltou para o Exercito. Foi ainda candidato a presidente da República tendo perdido a eleição para o mineiro Juscelino Kubitschek.
Morreu, assim como Prestes, no Rio de Janeiro em Julho de 1975

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