Desde que assumiu o Planalto, Jair Bolsonaro vive tentando conciliar duas exigências conflitantes: ser Bolsonaro e exibir o bom senso que o cargo de presidente requer. O problema não é o conservadorismo do capitão. O que obscurece sua Presidência é o arcaísmo. Os valores que Bolsonaro deseja conservar pertencem à Idade da Pedra. Sua agenda paleolítica empurrou o Brasil para dentro de uma frigideira internacional. Ironia suprema: após liberar a catraca do Brasil para turistas americanos, dispensando-os do visto, Bolsonaro não consegue descer em Nova York.
Ministro de sua predileção, Ricardo Salles tanto tramou contra fiscais do meio ambiente que virou figura indesejável no ambiente inteiro da Europa. Sob ataques, cancelou périplo pela França, Noruega, Alemanha e Reino Unido. Se ficasse no constrangimento pessoal, vá lá. O problema é que o país pode perder dinheiro. Aconteceria cedo ou tarde. Nenhum governante conseguiria associar-se impunemente a desmatadores vorazes, trogloditas rurais, toupeiras climáticas, predadores de índios, moralistas bisonhos e ideólogos precários. As estocadas de Bill de Blasio, o prefeito de Nova York, são café pequeno perto do que está por vir.
O Brasil começou a sofrer resistência de instituições científicas, responsáveis pela produção de dados que ilustram o debate ambiental. Mantida a toada da insensatez, secarão linhas de crédito disponíveis em bancos internacionais. Pior: minguarão contratos de importadores de alimento que já não olha apenas a qualidade do produto, mas a sustentabilidade do modelo de produção.
Dias atrás, Ricardo Salles ironizou uma carta publicada em 26 de abril na conceituada revista Science. Nela, 602 cientistas europeus pedem que os negócios com o Brasil sejam condicionados à redução do desmatamento e respeito aos direitos dos povos indígenas.
Não somos os responsáveis pela mudança climática”, deu de ombros o ministro. “Precisamos, sim, conter o desmatamento da Amazônia, que vem crescendo há mais de dois anos. Mas não vamos deixar que isso seja pretexto para que estrangeiros venham nos dizer onde e como devemos produzir alimentos.” Será?
O Brasil tornou-se uma potência agropecuária porque combinou o clima e o solo favoráveis com novas tecnologias. Bolsonaro e o pedaço troglodita do setor rural injetaram na agenda coisas como o afrouxamento da fiscalização do trabalho escravo, a flexibilização dos controles ambientais, a distribuição de armas… Tudo isso e mais a promessa de um salvo-conduto para ruralista atirar sem culpas.
É por essas e muitas outras que o país está na frigideira internacional. E o capitão não esboça a mais remota intenção de sair do óleo quente. **
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