Os 408 anos da guerra que expulsou os franceses da costa maranhense

Novembro foi embora e pouco se lembrou do aniversário dos 408 anos da Batalha de Guaxenduba, evento bélico, que segundo a história, determinou a expulsão dos franceses da Costa Norte do Brasil, a partir da Ilha de São Luís, onde eles já estavam assentados desde setembro de 1612, sendo atribuída a eles, dessa forma, a fundação da nossa capital.

Os registros históricos apontam o 19 de novembro de 1614 como o dia D, da batalha. De um lado, os franceses, comandados por Daniel de La Touche, que contavam com o reforço dos índios Tupinambás, nativos da Ilha de Upaon-Açú, e do outro, os portugueses, sob o comando do capitão-mor Jerônimo de Albuquerque e do sargento-mor Diogo Campos Moreno, com o apoio dos povos Tabajaras e Tremembés. Daí, é possível imaginar o quanto foi sangrento esse importante evento da história do Brasil.

A Guerra de Guaxenduba ocorrida na costa maranhense frustrou o sonho da França Equinocial intentado pelos franceses, que já vinham de várias incursões para se apoderar de terras, até então sob o domínio Português/Espanhol. Dessa aventura, restou somente a Guiana, Departamento Ultramarino do Governo Francês, que faz fronteira com o município de Oiapoque, no Amapá.

Há uma unanimidade entre os Historiadores ao afirmarem que se não fora a expulsão dos franceses, a partir da Batalha de Guaxenduba, hoje grande parte do norte e do nordeste do Brasil teria o francês como língua oficial, já que eles ambicionavam, não só o domínio da “Grande Ilha”, mas de toda Costa Norte do Brasil, incluindo a região Amazônica.
Belém, a capital do Pará, por exemplo, fundada em 12 de janeiro de 1616, portanto dois anos depois da Batalha de Guaxenduba, segundo o professor e historiador Joâo Renôr Ferreira de Carvalho, membro fundador da Academia Imperatrizense de Letras, e já falecido, foi uma estratégia dos portugueses para consolidar, efetivamente, a presença lusitana nos dois primeiros núcleos iniciais da COSTA NORTE, ou seja, São Luís (MA) e Belém (PA).

De posse dessa informação histórica, não é errado dizer que Belém “é filha da Batalha de Guaxenduba”, pois foi a partir dela que a coroa portuguesa abriu os olhos e se precipitou a evitar que não só os franceses, mas também os ingleses e holandeses, se apoderassem no todo, ou em parte, das terras do hoje norte/nordeste do Brasil, no século XVII.
A leitura atenta do livro a Ação e Presença dos Portugueses na Costa Norte do Brasil no século XVII, (Edufpi e Ethos Editora) publicado em 2014, obra do já mencionado historiador, revela isso a partir da citação de diversos documentos e fontes históricas.
O historiador/pesquisador, considerado um dos maiores do Maranhão, morreu em 20 de março de 2016, mas deixou apontamentos importantes sobre a história do Brasil com a perspectiva do olhar amazônico.
Uma das últimas obras do professor Renôr foi essa já citada em que ele revela nuances dos dias, horas e minutos e as circunstâncias que marcaram Guaxenduba, muitas delas não estudadas nas escolas.

Nesta batalha campal de 19 de novembro de 1614 pela manhã a grande perda de vidas foi do lado francês. Morreu em luta Monsieur de Pisieux e mais cento e quinze combatentes. O sargento-Mor português cronista da guerra (Diogo Campos) afirma que a luta renhida durou pouco mais de uma hora (CARVALHO, João Renôr Ferreira. Imperatriz: Ética, 2014, p. 83).

Por uma dessas felizes coincidências, nesse novembro que acabou, mês em que a célebre batalha completou 408 anos, passaram por minhas mãos, além do livro do professor Renôr, duas outras obras que também citam a esquecida Guaxenduba.
Souza Lima (Manoel de Souza Lima), que é nome de escola e de rua em Imperatriz, patrono da Cadeira Número 01 da Academia Imperatrizense de Letras, considerado o primeiro morador de Imperatriz a publicar um livro, é autor de O Tupinambá, romance indigenista publicado em 1934.

Embora sendo um romance, o escritor faz referência a Guaxenduba ao misturar personagens reais com fictícios. O índio tupinambá Tempui, depois chamado de Itapecu, e que quando batizado adotou o nome de Luís Maria, personagem central da ficção, por exemplo, morre nessa batalha, deixando viúva a doce Amujaci, filha da grande “Nação Guajajara”. Antes de partir com o amado para a Grande Ilha, Amujaci era aldeada, conforme o romance, às margens do rio Grajaú.
O Tupinambá é uma obra Indigenista flagrantemente inspirada em José de Alencar e outros ilustres brasileiros que escreveram sobre o tema. Se publicado em tempos atuais, na avaliação do poeta e escritor Ribamar Silva, membro da AIL, o autor seria laureado nacionalmente.

A obra é importante por natureza e ganha ainda maior importância por causa do seu caráter histórico, a começar pela descrição fiel da geografia da Ilha de São Luís e da região de Grajaú, notadamente as margens do rio Grajaú, naquela época, ambientalmente muito diferente do que é hoje. Souza Lima, certamente, para registrar e construir a narrativa em torno dos seus personagens, deve ter vivenciado aquela, ou aquelas, até então belíssimas e quase intocadas paisagens.

O original da obra foi resgatado na Biblioteca Benedito Leite, em São Luís, pelo professor Fernando Fernandes. Empolgado com o achado, e com o apoio de empresários de Imperatriz, a republicou em 2014 pela Ética Editora. O livro chegou às minhas mãos através do confrade Domingo César com a recomendação de que fosse devolvido, já que é “filho único” do acervo da academia Imperatriz de letras.
A terceira obra que mencionei sobre Guaxenduba e sua importância para o país, é Pelos Caminhos da História, nos bastidores do Brasil Colônia, Império e República, lançado pela Editora Civilização Brasileira, em 2015, e de autoria do diplomata e historiador brasileiro) que morreu em 2017, aos 96 anos. Vasco era um apaixonado pelos fatos históricos e serviu em vários países da Europa. Com natural curiosidade histórica, tinha o costume de pesquisar “fios soltos” da história do Brasil nascendo daí diversas conferências no Brasil e no exterior.

Em Pelo Caminhos da História, o autor, com riqueza de detalhes explora não só a Batalha de Guaxenduba, mas outros episódios da história brasileira também esquecidos. No livro, ele chega a lançar dúvidas sobre a paternidade francesa da fundação de São Luís. Merece um texto em separado, que vou deixar para outra oportunidade.

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