(*) Waldir Maranhão
O presidente Jair Bolsonaro envergonhou a extensa maioria dos brasileiros ao prestar solidariedade à Rússia, que por ocasião de sua visita a Moscou já tinha no radar a invasão e a destruição do território ucraniano, como vem acontecendo nos últimos dias.
Bolsonaro possivelmente desconhece o estrito significado de solidariedade, mas um chefe de Estado deve medir suas palavras para não acabar devorado por elas. Ser solidário, no âmbito jurídico, é assumir o compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas às outras e cada uma delas a todas.
No Kremlin, sede do governo russo, o presidente, ao dizer que o Brasil é solidário à Rússia, se submeteu às vontades de um governante que não mede esforços nem consequências para ver seus desejos realizados.
Se até então o Brasil era considerado um pária na comunidade internacional, a confirmação desse vexaminoso status recebeu a chancela que faltava. Apoiar um chefe de Estado que tem na gaveta um plano totalitarista e desumano é suicídio político.
O chefe do Executivo justificou sua viagem a Moscou alegando a necessidade de discutir com Putin temas relacionados a fertilizantes, produto que o Brasil é dependente de outras nações de maneira preocupante.
A situação do Brasil tornou-se mais complicada com a decisão de Putin de pedir aos fabricantes russos de fertilizantes que suspendam as exportações. Ex-agente da KGB, Putin quer vale-se da estratégia de “estrangular” outras nações com o não fornecimento de fertilizantes, o que compromete a produção de alimentos.
Reconheço a importância do agronegócio brasileiro, seja para alimentar o nosso país, seja para fornecer alimentos à população do planeta, mas antes de tudo é preciso preservar a vida. Pouco importa se a vida é de um compatriota ou de um ucraniano. Vida é vida e deve ser respeitada, independentemente de ideologias e preferência políticas.
Mesmo com a deflagração da guerra contra a Ucrânia, Bolsonaro insistiu na tese de que o Brasil teria postura neutra em relação ao conflito armado que vem devastando o país do Leste europeu, obrigando mais de 1 milhão de pessoas a fugirem sem saber como será o amanhã.
Jair Bolsonaro, que volta e meia usa em vão o nome de Deus para escorar suas preferências ideológicas, foi cobrado pelo representante da diplomacia ucraniana no Brasil sobre manifestação de solidariedade ao seu país.
O Itamaraty precisou recorrer ao malabarismo diplomático para não deixar o Brasil na berlinda e não contrariar o presidente da República, responsável por uma política externa pífia e que rompe laços históricos.
As explicações de Bolsonaro para sua postura remontam ao dito popular “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Essa teoria vai na contramão do conceito de solidariedade, que no pensamento do presidente deve ser um comportamento típico da esquerda.
No último dia 2 de março, Quarta-Feira de Cinzas, a Igreja Católica lançou sua principal campanha, a da fraternidade. E ser fraterno perpassa pela solidariedade. A fraternidade dispensa laços sanguíneos, pois é algo que transcende o significado da própria palavra.
No mesmo dia, o Papa Francisco fez um apelo pela paz na Ucrânia, que até agora não mereceu uma só palavra de solidariedade do presidente.
Em sua Homilia, Francisco lembrou o início da Quaresma e disse que as “orações e o jejum” dos católicos serão uma “súplica de paz” para a Ucrânia.
É inegável a simpatia do atual governo do Brasil pela beligerância. Isso fica claro nos discursos do presidente e nas atitudes e declarações de seus mais próximos assessores, em maioria militares da reserva. Ou seja, são fanáticos por guerra.
Fácil é sair mundo afora pregando uma fé que entra no campo da suspeição quando presta-se solidariedade a alguém como Vladimir Putin.
Os seguidores e apoiadores do presidente alegam que Putin é um “camarada da direita” por ser conservador, homofóbico, xenófobo e defensor da chamada família tradicional. Em outras palavras, a solidariedade exalada por Bolsonaro tem endereço certo.
Todo cidadão tem garantido o direito à livre manifestação do pensamento, mas enquanto representante oficial dos brasileiros Bolsonaro não pode falar apenas para os seus. Tem o dever de adotar postura plural que atenda a uma sociedade igualmente plural e livre, por enquanto.
Se a preocupação do presidente é com o comprometimento da importação de produtos e insumos essenciais ao país, ele deveria estar preocupado com o fato de que a Ucrânia, há dias debaixo de bombardeios russos, é a principal fornecedora de insulina do Ministério da Saúde.
Bolsonaro desconhece o significado de fraternidade, tema de mais uma campanha da Igreja Católica, muito menos o de solidariedade. Ser solidário apenas com quem pensa e age de maneira igual é egoísmo explícito.
Um dos mais influentes escritores do século XX, o romancista Franz Kafka disse certa vez: “A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana.”
Bolsonaro demonstrou ao longo da pandemia que não tem respeito pela dignidade humana. Afinal, a aludida “gripezinha” já matou mais de 650 mil brasileiros.
(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.